domingo, 31 de julho de 2011

Reflexões sobre o Fim

O fim do homem é sempre mais marcado que o seu início.
O por do Sol, a música de encerramento...
Assim como a última mordida num doce
é sempre mais doce no final.
O que é escrito na lembrança
vale mais do que o que ficou perdido no passado.

Anônimo.

Hamlet (trechos)

Ventos, soprai de arrebentar as próprias bochechas...
enraivai, Soprai com força trombas e cataratas
Chamuscai minha cabeleira branca,
E tu, trovão de tudo abalador,
Achata a espessa redondeza do mundo (...)

Ah, que esta carne tão sólida pudesse se desfazer,
se dissolver e se transformar em orvalho...
Se o Todo-poderoso não tivesse uma lei
contra os suicidas...
Oh Deus, Deus, como parecem sem vida,
sem graça, sem alma, inúteis,
todos os costumes deste mundo...
Nojo deles, isto é um jardim abandonado
que cresce sem cuidados...
Só o que é podre e de natureza ruim
toma conta dele...
cheio de ervas daninhas,
invadido só pelo veneno e o espinho...
Como se chegou a isso? (...)

Ser, ou não ser, eis a questão...
será mais nobre sofrer na alma pedradas
e flechadas do destino feroz,
ou pegar em armas contra um mar de angústias,
e combatendo, dar-lhe o fim?
Morrer? Dormir, só isso.
E com o sono, dize, extinguir dores do coração
e as mil mazelas naturais a que a carne é sujeita...
Eis uma consumação ardentemente desejável, morrer.
Dormir... Dormir, talvez sonhar...
Aí está o problema (...)

Esta é a hora enfeitiçada da noite,
quando os túmulos se abrem
e o próprio inferno escancara sua boca
para empestiar o mundo.
Agora eu poderia beber sangue quente,
e fazer coisas que o dia não
poderia assistir, sem tremer. (...)

Viva para contar a minha história...
o resto é silêncio. (...)

William Shakespeare - Hamlet, 1601.

Macbeth (trecho) - II

Um amanhã, outro amanhã e outro amanhã,
Se arrastam em passos curtos dia após dia
Até a última sílaba da escrita do tempo.
E todos os nossos ontens sinalizam aos bobos
O caminho para o pó da morte.

Apaga-te! Apaga-te, pequena chama!
A vida é apenas uma sombra que caminha.
Um pobre ator
Que se pavoneia e treme em seu momento no palco
E desaparece; nunca mais é ouvido.
É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria,
Significando nada.

William Shakespeare - Macbeth, 1607.

Macbeth (trecho) - I

Farto de tudo, clamo a paz da morte
ao ver quem de valor penar em vida.
E os mais inúteis, com riqueza e sorte,
e a fé, mais pura, triste, ao ser traída.

E altas honras, a quem vale nada.
E a virtude virginal prostituída,
E a plena perfeição caluniada,
E a força, vacilante, enfraquecida.
E o déspota calar a voz da arte,
E o néscio, feito um sábio, decidindo.

Farto de tudo, penso, parto sem dor.
Mas ao partir, deixo só o meu amor.

William Shakespeare - Macbeth, 1607.

domingo, 9 de agosto de 2009

Experiência

Já fiz cosquinha na minha irmã só pra ela parar de chorar, já me queimei brincando com vela. Eu já fiz bola de chiclete e melequei todo o rosto, já conversei com o espelho, e até já brinquei de ser bruxo.

Já quis ser astronauta, violonista, mágico, caçador e trapezista. Já me escondi atrás da cortina e esqueci os pés pra fora. Já passei trote por telefone. Já tomei banho de chuva e acabei me viciando. Já roubei beijo. Já confundi sentimentos. Peguei atalho errado e continuo andando pelo desconhecido.

Já raspei o fundo da panela de arroz carreteiro, já me cortei fazendo a barba apressado, já chorei ouvindo música no ônibus. Já tentei esquecer algumas pessoas, mas descobri que essas são as mais difíceis de se esquecer. Já subi escondido no telhado pra tentar pegar estrelas, já subi em árvore pra roubar fruta, já caí da escada de bunda. Já fiz juras eternas, já escrevi no muro da escola, já chorei sentado no chão do banheiro, já fugi de casa pra sempre, e voltei no outro instante.

Já corri pra não deixar alguém chorando, já fiquei sozinho no meio de mil pessoas sentindo falta de uma só.Já vi pôr-do-sol cor-de-rosa e alaranjado, já me joguei na piscina sem vontade de voltar, já bebi uísque até sentir dormentes os meus lábios, já olhei a cidade de cima e mesmo assim não encontrei meu lugar.

Já senti medo do escuro, já tremi de nervoso, já quase morri de amor, mas renasci novamente pra ver o sorriso de alguém especial. Já acordei no meio da noite e fiquei com medo de levantar. Já apostei em correr descalço na rua, já gritei de felicidade, já roubei rosas num enorme jardim. Já me apaixonei e achei que era para sempre, mas sempre era um 'para sempre' pela metade.

Já deitei na grama de madrugada e vi a Lua virar Sol, já chorei por ver amigos partindo, mas descobri que logo chegam novos, e a vida é mesmo um ir e vir sem razão. Foram tantas coisas feitas, momentos fotografados pelas lentes da emoção, guardados num baú, chamado coração.

E agora um formulário me interroga, me encosta na parede e grita: 'Qual sua experiência?'

Essa pergunta ecoa no meu cérebro: experiência...experiência...Será que ser 'plantador de sorrisos' é uma boa experiência? Não!!!

Talvez eles não saibam ainda colher sonhos!

Agora gostaria de indagar uma pequena coisa para quem formulou esta pergunta: Experiência? Quem a tem, se a todo o momento tudo se renova?

Anônimo

Leminski II

Adeus, Cidade.
O erro, claro, não a lei.
Muito me admirastes,
muito te admirei.

Carrego o peso da lua,
Três paixões mal curadas,
Um saara de páginas,
Essa infinita madrugada.

Viver de noite
Me fez senhor do fogo.
A vocês, eu deixo o sono.
O sonho, não.
Esse, eu mesmo carrego.

Paulo Leminski (trecho de "Claro Calar Sobre uma Cidade Sem Ruínas")

Leminski I

En la lucha de classes, todas las armas son buenas:
Piedras
Noches
Poemas.

Paulo Leminski (1983)